![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcPBoKgKFMP41MCWSrbIYo8PauWkvTRxSTQWa56VpcyCU92IB7E_UaZ8hShyphenhyphenJJBN6hWxW5SPQP6VZdHhy6H1tPdQ4tZkcSgL3ZFSbUK81PlL3sh5c6iVLvHaFNGpP3WRveZQ7iSG13Bwrx/s400/abuso.jpg)
Me perguntei até quando aquilo iria durar. Chegou um momento
em que eu não tentei mais me esquivar, não resisti mais, simplesmente aceitei o
que estava acontecendo. Só queria que acabasse logo. Queria acordar daquele
pesadelo. Mas não acabava. Quando eu pensei por um instante que tudo aquilo
havia chegado ao fim, veio o outro. E depois o outro. Mais um. E, por último, o
pior de todos, que jamais me deixaria esquecer tudo pelo qual havia acabado de
passar naquele quarto, meu ex-namorado.
- Vamos, Clara, só hoje! Eu nunca te pedi nada!
Vamos, por favor!! - Insistia minha prima. E por mais que eu dissesse não, que
eu dissesse que precisava estudar para a prova de história que seria no dia
seguinte, ela continuava insistindo. E eu cedi. Não devia, não podia, mas
concordei em ir àquela festa, mesmo não estando animada e pensando somente na
recuperação em história do final do ano.
Percebi que tínhamos chegado quando ouvi a
música alta e vi vários carros estacionados. Nos despedimos do Flávio, irmão da
minha prima, e descemos do carro. - Pego vocês à meia noite em ponto! Nem um
minuto depois, certo, meninas? - Disse ele, e eu nem respondi, estava prestando
atenção às pessoas que estavam do lado de fora da casa, algumas conversando,
outras bebendo. Vários casais se beijando e se abraçando de forma tão íntima,
que cheguei a ficar com vergonha alheia.
Pensei em desistir logo ao chegar, queria
voltar pra casa, pro meu quarto, mas quando olhei para o lado, minha prima
Stephanie não estava mais ali. Olhei em volta e percebi que ela já entrava na
casa, abraçada a um rapaz que eu não consegui reconhecer porque estava de
costas.
Corri ao encontro dela e, antes que conseguisse
alcançá-la, fui interceptada por ninguém menos que Robson, me ex-namorado. -
Ora, ora, quem eu encontro por aqui! - disse ele e naquele instante me
arrependi completamente de ter cedido aos pedidos insistentes da minha prima.
Todas as memórias, que somente depois de anos de terapia eu havia conseguido
bloquear da minha mente, voltaram naquele instante. As discussões por motivos
fúteis, a forma violenta como ele sempre me tratou. E, pior, as ameaças que
sofri quando decidi terminar nosso relacionamento. Foi a pior fase da minha
vida. Pelo menos eu pensei que seria a pior fase. Até aquele dia. Eu não devia
estar ali, definitivamente.
Tentei me esquivar, mas não consegui, ele já
estava me segurando pelo pulso. Olhei em seus olhos e pude perceber claramente
que ele já estava ali há muito tempo. E, como de costume, aparentemente
drogado. Senti o medo correndo pelas minhas veias. O pavor de não saber do que
ele seria capaz. Ou pior, de saber claramente do que ele era capaz. Pedi para
que ele me soltasse, mas sabia que era inútil, então, para evitar uma confusão
maior, disse que só estava ali para procurar a Stephanie, porque não poderíamos
ficar. E ele, muito educadamente, disse que me levaria até ela, que ela estava
com seu irmão na sala, no andar de cima.
Subi as escadas imaginando que ele tentaria me
agarrar ali, olhei para os lados, procurando algum lugar para onde pudesse
correr e me esconder quando conseguisse me soltar dele, para que, então,
pudesse pedir ajuda. Pura ilusão. Logo que subimos, percebi que não havia sala
nenhuma, somente um corredor, que dava acesso a vários quartos. E ele me
arrastou para um deles.
Não importava o quanto eu gritasse, gritei e
gritei muito, tentei não entrar naquele quarto porque ali saberia que não teria
chances contra alguém com quase o dobro do meu tamanho, mas ninguém me ouviu.
Pelo menos ninguém apareceu para me ajudar. E como percebi que não iria
conseguir fugir, antes mesmo de atravessar a porta, comecei a chorar.
Demorei a perceber o que estava acontecendo ali.
Estava de costas quando entrei no quarto, ainda tentando lutar para me
desvencilhar daquele que um dia havia frequentado minha casa e conhecido meus
pais. Que um dia havia sido amigo do meu irmão. Alguém em quem um dia eu havia
confiado.
Então ele fechou a porta. E eu me virei e pude
ver com clareza. Stephanie estava deitada na cama, Amordaçada. A reconheci pela
sua tatuagem no tornozelo, uma Flor de Liz, que fizemos no mesmo dia, ano
passado. Não conseguia ver seu rosto, porque eles não deixavam, estavam sobre
ela. Dois rapazes que eu saberia depois que se chamavam João e Fernando. Outros
dois rapazes, que não sei dizer o nome, estavam deitados na cama, segurando os
braços da minha prima e dizendo, de forma repugnante, que seria mais fácil
se ela cooperasse, enquanto os rapazes se revezavam na sessão de tortura.
Trouxe mais um presentinho pra vocês, pessoal!
– Disse o Robson, e só aí foi que eu me toquei de que seria a próxima. Tentei
inutilmente me debater para tentar sair dali, mas todo o esforço foi em vão. Os
rapazes que seguravam a Stephanie a soltaram, porque ela já não tinha forças
para lutar, e vieram até mim.
Chorei, gritei, me debati o máximo que pude.
Pedi a Deus. Não adiantou. Stephanie já estava deitada sobre um canto do quarto
e eu não ouvia mais seus gritos, somente seu choro agonizante. Os gritos de
pavor, de dor e sofrimento que ouvia agora eram os meus. Pensei na minha vida,
nos meus pais. Pensei na prova de história que eu não faria. Pensei em quando
eu conheci o Robson, em como da noite para o dia ele se transformou em um
estranho. Mas o que mais pensei foi em morrer. Queria morrer. Queria que tudo
acabasse ali. Não queria mais nada na vida. Que vida? Existe vida após isso
tudo que está acontecendo? Desmaiei. Ou pelo menos eu acho que foi isso o que
aconteceu, porque eu já não me sentia ali. Ainda podia ver o João, Fernando. Os
outros dois, talvez Lucas, talvez Otávio. Um a um, se revezando num abuso sem
fim. E então o Robson. Com aquele sorriso sarcástico de quem ganha um Oscar de melhor
ator já sabendo do resultado meses antes. Podia ver todos eles, mas não ouvia
suas vozes. Tentei olhar para a Stephanie, mas não conseguia enxergá-la. Lembro
que fechei os olhos e fiquei assim por um longo tempo. Então ouvi risadas e a
porta se fechou num estrondo, me acordando daquele torpor.
Um lixo. Um nada. Algo sem o menor valor. Era
assim que eu passaria a me sentir durante anos e anos. Psicólogos, psiquiatras,
medicações, altas dosagens. E ainda me olho no espelho e busco o sentido da
vida. Busco dentro de mim uma razão, um motivo apenas, para me fazer seguir em
frente. Para ter vontade de viver outra vez.
O fato que muita gente não sabe, gente do tipo
que comenta em postagens no facebook que a culpa é da vítima, é que eu não tive
culpa de perder minha dignidade ai naquele dia. Eu não estava de roupa curta.
Eu não estava rezando, mas se estivesse, poderia ter sido abusada pelo padre ou
pelo pastor, como ocorre com muitas crianças. CRIANÇAS!!! Elas pediram? Não, eu
não tenho culpa por ter confiado em alguém, por ter ido a uma festa. Não existe
motivação para o estupro a não ser a existência do abusador. E eles estão por
toda parte. Brancos, pretos, amarelos, vermelhos. Pobres, ricos, classe média.
No trabalho, na escola, na rua, DENTRO DE CASA!
Não, eu não tenho culpa de ter perdido minha
vida aos 16 anos de idade, porque um fato que muita gente não sabe, gente que
culpabiliza a vítima, é que naquele dia foi comigo. Amanhã, e Deus queira que isso jamais aconteça, pode ser com você,
com sua mãe, sua irmã, sua filha. Não me julgue! Se não pode de alguma forma me
ajudar, não tente ainda mais me deixar para baixo. Até porque, eu sei bem o que
é estar no fundo do poço. Peço, por favor, se não for pedir muito, que me ajude
para que um dia eu consiga sair dele!
Esse post surgiu depois de eu ver, mais uma
vez, uma reportagem sobre duas adolescentes de 15 anos que sofreram estupro
coletivo durante três dias. O crime, desta vez, aconteceu em Paulínia (SP). Mas
a cada dia mais e mais mulheres e crianças sofrem os mais diversos tipos de
abuso. E, infelizmente, com essa cultura machista nojenta que acredita, em
pleno século XXI, que, na maioria das vezes, a mulher é a culpada pelo estupro
que sofre, a tendência é só piorar. Tenho medo de viver num país como este,
nesta terra de ninguém onde a impunidade impera. O respeito, a moral e os
princípios estão sendo deixados de lado, trocados por Iphones e roupas de
marca. Eduquem seus filhos, eu imploro, POR FAVOR, EDUQUEM OS SEUS FILHOS! O
mundo já tem pessoas ruins o bastante. Vamos mudar as estatísticas! A mudança
deve começar em casa! Eduquem seus filhos e os tornem em grandes homens. Nós
mulheres pedimos. O mundo implora por isso!
Oie
ResponderExcluirMuito boa a reflexão, é preciso pensar sobre. Parabéns pela iniciativa.
Beijinhos
http://diariodeincentivoaleitura.blogspot.com.br/
Uma boa reflexão para mostrar como tudo pode mudar, a partir da educação, da forma de encarar as coisas.
ResponderExcluirAdorei.
http://www.revelandosentimentos.com.br
Nossa, eu li atentamente cada palavra do seu post, super real, super crueldade e super realidade. Muitas garotas passam por isso, caladas, sem ajuda e se sentem sem dignidade. Sua iniciativa é maravilhosa, isso já é uma ajuda!! Parabéns, de verdade. Um beijo.
ResponderExcluirEsteticando-se
Oi kelly.
ResponderExcluirFicou lindo o visual novo do blog, eu amei.
bjs