uma cerveja, por favor! .~*


abri os olhos. por um segundo me perguntei onde eu estava. olhei para cima e em seguida para os lados, buscando reconhecer o ambiente. definitivamente aquelas não eram as paredes do meu quarto. o tom pastel e os vários quadros retrô provavam isso. uma cama de casal, guarda-roupas de modelo antigo, um globo de plasma sobre um pequeno criado e uma estante ao canto completavam o ambiente, tornando-o  estranhamente aconchegante.

reconheci alguns livros. Bukowski, Larsson e George R. R. Martin foram os primeiros que me chamaram a atenção, livros que eu já lera e que coincidentemente também tinha na estante. deixei de lado o edredom e fui até eles. escolhi Larsson por saudade dos tempos em que eu era assinante da revista Millennium. reli algumas páginas, alguns dos capítulos que eu mais gostava. ao folhear as páginas, encontrei um pequeno cartão visitas do Dublin Pub. coloquei de volta o livro na estante, próximo de alguns CDs  e DVDs. percebi também um notebook atrás dos livros. não, eu não ia me atrever a liga-lo.

voltei a olhar em volta, onde eu estava? não era um lugar totalmente estranho, mas eu não me lembrava exatamente do ambiente. tentei voltar mentalmente na noite anterior. um bar, luzes fortes e um som alto me invadiu, como se eu realmente tivesse voltado no tempo. lembrei-me de ter bebido algumas cervejas e flertado com o barman, uma mania antiga que eu tentava me livrar, mas que sempre me vencia após as duas primeiras long necks. sempre pedia uma cerveja e, quando estava inspirada (quase em todas as ocasiões), "uma cerveja e um beijo, por favor". a maioria não entendia, alguns levavam na brincadeira, outros à sério demais. dessa vez ele era até bem bonito. tinha um rosto jovial, cabelos pretos pouco acima dos ombros, presos com um daqueles elásticos geralmente usados para prender dinheiro. o que mais me chamava a atenção era sua forma de sorrir. seus olhos fechavam e se curvavam levemente para baixo e uma pequena covinha aparecia na sua bochecha esquerda. não sei se ele sorria assim como uma tática de conquista, mas funcionou. percebi isso nos olhares do tipo oi-vamos-para-minha-casa presente em vários rostos femininos que insistiam em permanecer no bar, mesmo sem consumir nada. o meu era um deles.

fora o barman não me lembro de muita coisa. talvez tenha bebido demais ou alguém tenha colocado um boa-noite-cinderela na minha garrafa. não acredito muito nessas "lendas de balada" mas, como dizia minha mãe, "nesse mundo, após duas doses de whisky, tudo se torna possível e às vezes até provável". olho novamente ao redor, procurando por características que me fizessem reviver os acontecimentos depois que saí do bar. a blusa e calça sobre o chão não provavam muita coisa, visto que essa é uma outra mania minha, dormir de lingerie e deixar as roupas em qualquer lugar que não seja o guarda-roupas ou o cesto de roupas sujas. 

volto para a cama. qualquer que seja a pessoa que me trouxe pra esse lugar uma hora ou outra vai acabar voltando. fecho os olhos, estava cansada, mesmo após ter dormido muito. momentos antes de pegar no sono novamente, ouço passos e o barulho da porta sendo aberta bem devagar. o coração dispara e sinto uma onda de adrenalina percorrer pelo sangue. puxo o edredom por sobre o corpo como se isso fosse me proteger de quem quer que estivesse entrando. com a respiração ofegante vejo uma bandeja com frutas, pães e uma xícara grande, que eu desejei ser de café. segurando a bandeja estava ele, um moletom branco, uma bermuda florida e aquele sorriso lindo, com a inconfundível covinha na bochecha esquerda. dessa vez estava com os cabelos molhados, soltos, puxados para trás das orelhas.

instantaneamente um turbilhão de lembranças invadiu minha mente. a primeira vez que ele sorriu pra mim, perguntando qual cerveja eu ia querer e dizendo que o beijo eu não tinha escolha, tinha apenas de uma marca, mas que era brinde. lembrei das conversas, de quando todos aos pouco foram embora, quando ficamos a sós e do nosso primeiro beijo ali mesmo, no balcão, com Here Comes The Sun ao fundo, mais baixo agora que não haviam clientes. olhei mais uma vez para o seu rosto, tentei me lembrar de quantas cervejas eu tomei, do quão "louca" eu fiquei a ponto de ir para a casa de alguém que eu até então não conhecia direito. sorri diante da minha inconsequência na noite anterior. logo eu, a santinha, a correta e antiquada. a pura, inocente e ingênua aos olhos dos pais.

ao que parecia tudo havia dado certo. eu não tinha sido sequestrada ou algo do tipo. sorri novamente, dessa vez uma gargalhada, lembrei-me de Lisbeth Salander em um dos meus trechos favoritos da Trilogia Millennium. no fim das contas ela estava certa, “Não há inocentes. Apenas diferentes graus de responsabilidade”. 

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7 comentários

  1. Oi, tudo bem?
    Gostei muito do seu texto, bem envolvente e fiquei morrendo de curiosidade pra saber o que aconteceu a seguir. Vai ter continuação?
    Abraços,
    Amanda Almeida

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  2. Olá miga, tudo bem?
    Gostei do texto, vai ter continuação? ai quero continuar lendo =) vc é muito criativa =)
    Bjs flor!

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  3. Parabéns pelo incrivel texto que acabei de ler, realmente excelente! +_+
    Escreve muito bem ;)

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  4. Fiquei super curiosa pra saber o que tinha acontecido com a garota! No fim ela só resolveu deixar a responsabilidade de lado e curtir um pouco a vida. Gostei daquela frase do final ^^
    Você escreve muito bem Kelly, sabe como envolver um leitor :D
    Kelly, se alguém dissesse que eu tenho olhos como as de bonecas japonesas, eu interpretaria como um elogio. >.<

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  5. Kelly me passa um pouco de inspiracao x)
    Se for ficcao, o texto ta maravilhoso; e se for realidade, ta melhor ainda x)

    E tipo, nao me esqueci nem de vc, nem do blog sua doida..rsss
    Eh q eu sou um pouco esquecida mesmo, e as vezes eu entro, comeco a ler, tenho q sair e volto so dps; e qdo volto de novo, termino de ler, mas acabo saindo sem comentar..acontece nas melhores familias..rs (e nao eh so no seu blog, mas desculpa)

    Volto dps.. beijos.

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  6. P.S: a frase final eu ja adotei! Adorei. ^_^

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  7. Nossa, você escreve muito bem. Parabéns Adoro contos. ^_^

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